O Estado e a segurança pública: proteção, controle e punição.

Foucault, em seu livro Vigiar e punir e, segundo conta a tradição histórica, em seus cursos no Collège de France, traz uma classificação tipológica dos Estados modernos. O Estado do Antigo Regime é visto como um Estado territorial ou de soberania, cuja divisa era “fazer morrer e deixar viver”. Esse Estado haveria evoluído para um Estado de população em que a população demográfica, de modo geral, substitui o "povo político" e, depois, para um Estado de disciplina, cuja divisa se inverte em “fazer viver e deixar morrer”: um Estado que se ocupa da vida dos sujeitos para produzir corpos sãos, dóceis e disciplinados. O que se vê atualmente não é um Estado de disciplina, mas – segundo a expressão de Gilles Deleuze – um “Estado de controle”: ele não tem por objetivo ordenar e disciplinar, mas gerir e controlar. Depois da violenta repressão das manifestações contra o G8 de Gênova, em julho de 2001, um funcionário da polícia italiana declarou que o governo não queria que a polícia mantivesse a ordem, mas gerasse a desordem. Por sua vez, os intelectuais estadunidenses, que tentaram refletir sobre as mudanças constitucionais induzidas pelo Patriot Act (Lei Patriótica) e a legislação pós-11 de Setembro, preferem chamar de “Estado de segurança” (security State). Mas o que quer dizer “segurança” neste caso? Durante a Revolução Francesa, essa noção relacionava-se com a de polícia. A lei de 16 de março de 1791 e depois a de 11 de agosto de 1792 introduziram na legislação francesa a ideia, que teria uma longa história na modernidade, de “polícia de segurança”. Nos debates precedentes à adoção dessas leis, parecia claro que polícia e segurança se definiam reciprocamente; mas os oradores – entre os quais Armand Gensonné, Marie-Jean Hérault de Séchelles, Jacques Pierre Brissot – não foram capazes de definir nem uma coisa nem outra. As discussões se mantiveram essencialmente nas relações entre a polícia e a justiça. Segundo Gensonné, trata-se de “dois poderes perfeitamente distintos e separados”; e, portanto, enquanto o papel do Poder Judiciário é nítido, o da polícia parece impossível de definir. O security State é, na realidade, um Estado de polícia, mesmo que a definição de polícia constitua um buraco negro na doutrina do direito público: quando no século XVIII surgiu na França o Traité de la police, de Nicolas de La Mare, e na Alemanha a Gesamte Policey-Wissenschaft, de Johann Heinrich Gottlob von Justi, a polícia foi reduzida à sua etimologia de politeia e tende a designar a política verdadeira, indicando o termo “política” nessa época apenas a política externa. Von Justi nomeia assim Politik a relação de um Estado com os outros e Polizei a relação de um Estado consigo mesmo: “A polícia é a relação de força de um Estado consigo mesmo”. Indubitavelmente, vivemos sob vigilância e, constantemente, somos punidos. A biometria, e a videovigilância (radares, câmeras, etc.) são apenas alguns exemplos de métodos de controle do cidadão pelo Estado. A priori, todos somos terroristas em potencial, até que se prove o inverso. O que intriga é o uso do conceito de segurança pública como artifício de exploração econômica e controle social. Neste sentido recordo o italiano Agamben: "A crescente multiplicação de dispositivos de segurança testemunha uma mudança na conceituação política, a ponto de podermos legitimamente nos perguntar não apenas se as sociedades em que vivemos ainda podem ser qualificadas de democráticas, mas também e acima de tudo se elas ainda podem ser consideradas sociedades políticas." Agamben vai além, acreditando que vivemos sob leis mais severas que no fascismo. Contudo, há também que se ressaltar que as leis de segurança, via de regra, nascem da demanda social. O problema é o uso indevido do poder para obter privilégios aos dominantes e/ou limitar o desenvolvimento pleno da sociedade. Depois dos atentados de 11 de setembro, com a ampliação jurídica do Patriot Act, o "Estado de segurança" ganhou ainda mais força e a vigilância tomou proporções antes nunca percebidas. Há um provérbio romano que diz “Salus publica suprema lex” – “A salvação do povo é a lei suprema”. Então, todo aparato jurídico e essa parafernália tecnológica a serviço da lei, da segurança pública, tem fundamento!? Talvez. Em sentido contrário, a insegurança e o medo aumentam nas mais diversas sociedades e a ação do Estado mostra-se, muitas vezes, ineficaz. Não se trata de abdicar do poder de polícia, mas de discutir sua atuação e finalidade. Trata-se do avanço, de novas nuances, do enfrentamento entre liberdades e direitos individuais e o bem-estar coletivo. Mais adiante discutiremos um pouco mais sobre o Estado contemporâneo, suas funções e realidade. Um beijo no coração e, sorria, você está sendo filmado! Bruno Rangel.

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